SALMO 6
1 Ao mestre do coro. Para instrumentos de corda. Para a oitava.1 Salmo. De Davi.
2. Javé, não me firas com teu desprezo,
Sl 38,2; Jr 10,24
não me castigues no teu furor.
3 Tem piedade de mim, Javé, estou esgotado;
cura-me, Javé, porque meus ossos tremem.
Jr 17,14-15
4 Todo o meu ser está perturbado,
mas tu, Javé, até quando…?
5. Volta, Javé, e liberta-me,
salva-me por tua fidelidade!
6 Ninguém te celebra no reino da morte,
Is 38,18
quem te pode louvar no Xeol?
Sl 88,11-13
7 Estou cansado destes longos lamentos,
toda a noite, deitado, choro,
molho com lágrimas o lugar do meu repouso.
8 Os meus olhos se consomem de dor,
envelhecem de ver tantos inimigos.
9 Malfeitores, afastai-vos todos!
Sl 119,115
Javé ouviu o meu choro!
Mt 7,23
10 Javé escuta a minha súplica,
Javé acolhe o meu pedido!
11 Envergonhem-se e tremam os meus inimigos;
e fujam bem depressa, cheios de vergonha!
1 O hebraico ” Al hasseminit” tem sido interpretado diversamente, ou “com o otocorde” (instrumento de 8 cordas), ou “sobre a oitava corda da harpa”, ou “sobre a oitava baixa”, em sinal de lamentação (em 1 Cr 15,21 se contrapõe a “vozes de meninas”). O termo musical ocorre ainda no título do Salmo 12.
SALMO 6
O texto, muito inflamado, é de origem, provavelmente, posterior ao Exílio da Babilônia. O Salmo oscila entre a lamentação e o “juramento de inocência”, este último um gênero próprio do direito sacral hebraico e acompanhado, freqüentemente, de um apelo ao juízo de Deus (“ordálio”). Eis como R. De Vaux, célebre estudioso das instituições de Israel, descreve o “juramento da inocência”: “Quando o inquérito sobre um delito não permitia chegar a uma conclusão segura, ou quando o acusado não poderia trazer um testemunho em sua defesa, recorria-se ao juramento solene em nome de Javé. Só um oráculo de salvação permitia fechar positivamente esta auto-proclamação de inocência”. O Salmo 7 apresenta um protesto solene e central de inocência, levado diante da suprema presidência divina (vv. 4-14), e enquadrado pelo apelo inicial (vv. 2-3) e do agradecimento final (vv. 18).
O poema é entremeado também de uma vasta proliferação de símbolos que dão um vivaz colorido a um texto nem sempre fácil. Domina a figura de Javé, como juiz, sentado em seu trono, rodeado de seu conselho real (vv. 8-9): é esta a suprema corte à qual o orante apela para ver reconhecida a sua inocência. Um pouco por toda a composição aparece o simbolismo marcial que trata Deus como um general vitorioso, que afia a espada, prepara engenhos, aponta as flechas e não se cansa de retesar o arco (vv. 12-14). O inimigo, pelo contrário, é visto como um tirano cruel, que tenta derrubar e arrastar o justo no pó do chão (v. 6). Não percebe, porém, que, segundo o princípio da justiça vingadora imanente (“nêmesis imanente”), pelo qual o crime se transforma num bumerangue, e a armadilha e a cova preparadas contra o justo se tornam a sua própria sepultura, fazendo que a sua violência recaia sobre a sua própria cabeça (vv. 16-17).
No centro do poema, portanto, está a grande cena do tribunal divino, reunido “contra os povos da terra”, isto é contra as suas opressões e injustiças. No interior desta assembléia se eleva a confissão de inocência do salmista. Ela se baseia, basicamente, sobe a ética do talião: “Não retribuir ao amigo com o mal, nem espoliar injustamente o inimigo” (v. 6). Conclui numa áspera auto-maldição (v. 6), no caso de que a confissão seja falsa. Proferido este ousado ato jurídico de auto-justificação, o orante aguarda serenamente a intervenção de Deus, que avança repentinamente, precedido quase de um desfile militar (v. 7) A sua ação é positiva porque se desenvolve em defesa do justo e contra o ímpio. Deus é “o justo juiz” (v. 12), porque possui uma qualidade desconhecida dos juízes terrenos: ele pode sondar a mente e o coração, o próprio inconsciente e a consciência de todo o ser humano. A Deus não se pode opor barreiras. O seu olhar penetra toda defesa hipócrita, todo revestimento de falsa honra, e o seu julgamento vem a ser inevitável. E esta é a esperança do justo pobre e indefeso.