SALMO 2
1 Por que as nações se agitam,
e os povos tramam projetos inúteis?
Sl 72, 89 110 / At 4, 25-28
2 Por que se organizam os reis da terra,
e os príncipes se reúnem em segredo
contra Javé e contra o seu Ungido?
Ap 19, 19
3 “- Cortemos os seus laços,
libertemo-nos do seu jugo!”
4 O que está nos céus se ri,
deles se ri Javé.
5. Então lhes diz em sua ira,
e os faz tremer com seu furor:
6. “Sou eu quem entronizei o meu rei,
sobre Sião, meu monte santo!”
7 Proclamarei o decreto de Javé,
que me disse: “Tu és meu filho,
Eu hoje te gerei!
At 13,33; Hb 1,5; 5,5
8 Pede-me, e te darei como herança as nações,
e, como domínio, as extremidades da terra.
9 Tu as despedaçarás com um cetro de ferro,
Sl 110,5-6; Ap 19,15
e as farás em pedaços, como vasilhas de barro.”
10 Então, rei, reflete com empenho,
deixai-vos corrigir, poderosos da terra,
11 servi a Javé com temor,
com tremor beijai seus pés:
12 que ele não se irrite,
e não morrais no caminho!
A sua ira se inflama rapidamente!
Bem aventurado quem nele se refugia!
Sl 34,9; Pr 16,20
SALMO 2: comentário abreviado de Ravasi
Eis uma das páginas mais célebres do Saltério, sobretudo na tradição cristã: com o Salmo 110 este Salmo 2 constitui como que o manifesto da teologia messiânica. Por si mesmo, ele é um texto litúrgico para a cerimônia de coroação de um rei hebreu. No horizonte dos versículos 1-3 e do final (vv. 8-12), percebe-se a agitação de rebeliões e atentados, entrevêem-se conjurações, e lançam-se apelos à submissão, “a beijar os pés” de Deus, o qual e a garantia do novo rei, conforme se diz no original hebraico do versículo 11 (texto obscuro e com variantes nas antigas versões).
Ora, o período intermediário de transição, que precedia à entronização do novo monarca, era uma fase de crise política, propícia aos pequenos estados vassalos para tentarem se livrar do peso do poder central. Mas o rei está, então, sereno: Deus mesmo protege o seu “consagrado”, em hebraico masîah, “messias” (em grego “cristo”; em português, “o ungido”). Às maquinações dos príncipes adversários, opõe-se, com efeito, a monumental figura de Javé, que rompe o silêncio com seu riso irônico que humilha os rebeldes (vv. 4-5).
No coração do poema se sucedem duas declarações. A primeira é aquela de Javé que afirma solenemente: “Eu mesmo entronizei o rei, descendente de Davi, em Sião, tornando-o assim estável e inatacável”. A segunda proclamação é feita pelo rei, que cita uma frase fundamentalmente divina: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (v. 7). Trata-se de uma fórmula do protocolo real, conhecido também no Egito: “Eu sou o teu Pai – afirma Amon, na entronização do faraó Tutmós III (XV século a.C.) – como deus eu te gerei, para ser, no meu trono, rei do alto e do baixo Egito.” Naturalmente, esta fórmula em Israel tinha um significado reduzido: o rei hebreu não era “fisicamente” gerado pela divindade, nem amamentado por ela, como se sustentava no Antigo Oriente; ele era filho de Deus por adoção e não por adoção natural, como se fora semente de Deus.
É evidente, contudo, que mesmo este elemento se tornará decisivo na releitura do Salmo realizada na cristologia neo-testamentária: o Cristo é para o Novo Testamento “Filho de Deus” em sentido integral (Jo 1,18), e o Salmo 2 se torna, assim, o canto pascal do Cristo glorioso. Escutemos Paulo no seu discurso em Antioquia da Pisídia: “Nós vos anunciamos a boa notícia que a promessa feita a vossos pais se realizou, porque Deus a cumpriu por nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como estava escrito no Salmo segundo: Meu filho és tu; hoje eu te gerei!” (At 13,32-33).