SALMO 3
1 Salmo de Davi. Quando fugia do seu filho, Absalão.
2 Javé, como são numerosos os meus opressores!
São tantos os que se levantam contra mim!
3 São muitos os que me dizem:
“Não há salvação em Deus!”
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4 Mas Tu, Javé, sois o escudo que me protege,
Sl 18,3
sois a minha glória e quem me faz erguer a cabeça!
5 Se grito por socorro a Javé,
Ele me responde do seu monte santo.
selah
6 Eu me deito e adormeço,
Sl 4,9
acordo, e Javé me pega pela mão
7 Não tenho mais medo daquela gente numerosa,
que me cerca e ameaça de todo lado.
8 Ergue-te, Javé! Salva-me, meu Deus!
Sl 58,7
Fere na face os meus opressores,
quebra os dentes dos maus!
9 De Javé vem a salvação.
Sobre o teu povo desce a tua bênção!
selah
1 Esta indicação, que surge frequentemente no texto dos Salmos da tradição judaica indica talvez uma “pausa” ou um “intervalo” na execução coral do Salmo.
Esta composição – transformada por Benedetto Marcello num canto coral matutino, por causa do versículo 6, na linha de uma tradição bem conhecida das Igrejas do oriente – oscila entre um tom de lamento e um tom de confiança. A estrutura lírica é muito linear e corresponde ao esquema triangular das súplicas dominadas como que de três atores: “estes”, os inimigos numerosos; “Tu”, Deus Salvador; “eu”, o orante, cuja presença é martelada no texto original pelo emprego 16 vezes do pronome pessoal, em hebraico -j.
Os adversários entram repentinamente em cena (vv. 2-3); o número deles é de um contraste gritante com a solidão do salmista, imerso na angústia e até no aparente abandono por parte de Deus. O vocábulo hebraico que define este abandono evoca o “apertar”, “o oprimir”, o quase lento estrangulamento da vítima. O “mas Tu” do versículo 4 assinala uma virada: Deus, até então mudo, entra em cena, e se coloca como o “escudo” do justo perseguido. Deste modo, continuando com a imagem marcial, Deus “levanta a cabeça” do seu fiel fazendo-o passar da humilhação à glória do triunfo. O grito de súplica não caiu no vazio, portanto, mas foi acolhido por Javé, presente no seu “santo monte” de Sião (v. 5). “Levanta a tua voz – comentava Sto. Agostinho – , pois, escutando no fundo da alma sempre existe alguém, Deus”.
Finalmente, sobre um fundo noturno (v. 6), surge o orante. Para alguns estudioso se evoca assim a noite de oração transcorrida no interior do Templo no aguardo que, na aurora, Deus emitisse, pelo oráculo do sacerdote, o oráculo de libertação (a assim chamada “incubação sagrada”). Talvez, no entanto, o símbolo tenha uma origem mais universal: a noite é como o seio da morte, semelhante às trevas do nada (Gn 1,2-5), enquanto que o dia é símbolo da vida. Todo o amanhecer que se abre sobre o mundo é o início de uma criação renovada, a testemunha de uma vitória fulgurante sobre as trevas do nada e sobre o mal..
Então o Salmo se conclui como que ao som de uma fanfarra militar: a libertação é representada com as cores de um triunfo guerreiro, sublinhado por encorpadas imprecações de gosto oriental (v. 8). A liberação é descrita pitorescamente como um “despertar” de Deus do “sono” do seu silêncio. A ação deste grande justiceiro, desperto pela súplica da vítima, é quase instintiva: ataca as faces e os queixos dos prepotentes, para que eles abandonem sua presa inocente e indefesa. O versículo final, em tom litúrgico, aplica o caso do salmista à inteira comunidade dos justos: assediados pela perseguição e escuridão, são defendidos por Javé, o único que pode salvar.