No Brasil, o navio hospital, “Papa Francisco” trata das vítimas do coronavírus ao longo do rio Amazonas
Há cerca de um ano, a embarcação de 32 metros, levando 23 profissionais médicos e paramédicos, leva remédios e ajuda de saúde a 700 mil habitantes das zonas ribeirinhas e da floresta amazônica.
SALVATORE CERNUZIO
VATICAN INSIDER, LA STAMPA, ITALIA, 15 de julho 2020
Ao longo das águas do rio Amszonas, cada dia, desde cerca de um ano, o “Barco Hospital ‘Papa Francisco” tem percorrido milhares de quilômetros para levar alívio e ajudas médicas e sanitárias às populações ribeirinhas e da floresta amazônica, cuja vida, já precária, é posta em dura provação pelo coronavírus.
No Brasil, que é o segundo país mais atingido no mundo pelo covid, registrando o dramático número de quase dois milhões de infectados e cerca de 100 mil mortos desde o início da pandemia, a embarcação de 32 metros segue de povoado em povoado com 23 profissionais da saúde, tendo a bordo ambientes para fazer exames de raios X, mamografias, eletrocardiogramas, testes ergométricos, centro cirúrgico, laboratório de análises, farmácia, sala de vacinações, consultórios de oftalmologia, de odontologia, leitos…
Em resumo, um hospital para todas as circunstâncias neste tempo de pandemia, que se tornou um recurso precioso para as populações, que, para atingirem uma clínica precisariam horas e, talvez dias, numa embarcação de madeira. O navio foi projetado para chegar aos lugares mais isolados, acessíveis pelos cursos d’água.
A ideia foi de Dom Bernardo Bahlmann, Bispo de Óbidos, Para, região norte do Brasil, que a desenvolveu com os religiosos franciscanos que já dispunham os hospitais de Óbidos e Juriti. A embarcação foi construída nos estaleiros de Fortaleza, Ceará, no nordeste brasileiro, e foi tornada possível com ajuda do governo do Pará, que destinou ao projeto os recursos de uma indenização por dano moral coletivo das empresas Shell e BASF, por um acidente ambiental que causou 60 vítimas e grandes prejuízos.
De Óbidos o navio hospital partiu em julho de 2019, quando ainda não se tinha a menor ideia do que fosse o Covid 19. Os médicos a bordo se encontraram, então, em menos de um ano, em meio a uma emergência de saúde para enfrenta-la com meios limitados, mas com força de vontade e profissionalismo. Frei José de Souza, membro da equipe de coordenação, fala, com efeito, de “milagres”: “Este navio já fez milagres, levando saúde e esperança na vida dos povos ribeirinhos”; disse numa entrevista no saite da CELAM.
Em doze meses o Navio Hospital realizou 46 mil atendimentos em doz municípios às margens do Amazonas: Alenquer, Almerim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Prainha, Santarém e Terra Santa.
A equipe trabalhou na prevenção e diagnóstico precoce do câncer, além de levantamentos para a pesquisa – em colaboração com universidades – sobre as patologias de maior incidência na região. Em seguida, com a irrupção da pandemia, que mudou as prioridades, os médicos arregaçaram as mangas: “Não podíamos fugir da luta contra o Covid 19. Nós nos reorganizamos portanto para combater, com as equipes médicas – explica ainda Frei Souza. Em particular a equipe do “Papa Francisco” se ocupou dos sintomas influenciais e dos casos leves do Covid: “Efetuamos as consultas e nos dedicamos à distribuição dos medicamentos”.
Até agora, cerca de 700 mil mulheres e homens, idosos e crianças usufruíram de tratamento ambulatorial de primeiro estágio e das visitas gratuitas. Este é também um trabalho de sensibilização por parte da tripulação, desde que numerosas populações locais, em particular a que vivem isoladas na floresta, rejeitam qualquer tratamento externo, confiando nos remédios naturais da tradição ancestral.
A iniciativa recebeu a bênção do Papa Francisco, que se poderia dizer ter sido o autor moral do projeto. Como recorda o Vatican News de julho de 2013, durante a visita ao hospital São Francisco de Assis no Rio de Janeiro, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, o Papa perguntou aos religiosos se estavam presentes também entre as populações mais vulneráveis da Amazônia. O superior, Frei Franciso Belotti respondeu que não, mas o Pontífice, há pouco eleito, replicou: “Então sigam para lá”.
A ordem dos Frades Menores (franciscanos) e a associação dos leigos (Ordem Terceira), em primeiro lugar, se empenharam em reabrir os dois hospitais de Juruti e Óbidos. Mas logo, conta Frei Belotti, “percebemos que as populações ribeirinhas tinham enormes dificuldades para chegar aos hospitais e que era preciso levar o hospital a elas, como a Igreja e o Papa querem que sigamos ao encontro das pessoas”.
Apresentou-se ao Santo Padre o projeto por Dom Bahlmann em novembro de 2018, durante uma audiência no Vaticano. Depois, o Papa Francisco, por meio do esmoler, o Cardeal Konrad Krajewski, doou à embarcação um ecografo, como sinal de proximidade, como aconteceu também com os 4 respiradores pulmonares, doados a hospitais brasileiros.
O Papa, em agosto de 2019, no momento que o navio chegava ao porto de Belém, Pará, enviou aos participantes uma carta, onde recordava que a Igreja é chamada a ser um “hospital de campanha”, “acolhendo a todos sem distinções e condições”. Com esta iniciativa, “a Igreja se apresenta igualmente como um hospital embarcado” – acrescentou -, “como Jesus, “que apareceu caminhando sobre as águas, acalmou a tempestade e reforçou a fé dos discípulos, este barco levará conforto de espiritual e serenidade às preocupações aos homens e mulheres necessitados, mas abandonados a seus destinos”.