Jesus contraria as idéias do seu tempo e as idéias de agora
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Podemos, por exemplo dizer, sensatamente, que, quando Maomé estabeleceu seu compromisso polígamo, foi condicionado por uma sociedade polígama. Quando permitiu que um homem tivesse quatro esposas, ele estava fazendo, de fato, alguma coisa adequada às circunstâncias, algo que, em outras circunstâncias, poderia ser menos adequado.
Ninguém vai imaginar que quatro mulheres fossem como os quatro ventos, coisa que aparentemente fizesse parte da natureza. Ninguém dirá que o número 4 foi escrito, para sempre, nas estrelas do céu. Nem irá dizer que o número 4 é um ideal inconcebível, ou que está além da mente humana contar até 4, ou contar o número de esposas para ver se são quatro. Trata-se de um compromisso .prático, que carrega consigo a natureza de uma sociedade particular.
Se Maomé tivesse nascido num subúrbio de cidade inglesa do século XIX, bem poderíamos perguntar e duvidar se ele encheria aquela periferia de haréns com quatro mulheres para cada unidade.
Tendo nascido na Arábia no século VI, ele sugeriu, em suas disposições conjugais, as condições da Arábia naquele século.
Mas Cristo, em sua visão do casamento, não sugere de nenhum modo as condições da Palestina do século I . Não sugere nada, a não ser a visão sacramental do casamento, tal como a desenvolveu, muito tempo depois, a Igreja Católica. Era uma visão difícil para o povo daquela época, como é para o povo de hoje. Era muito mais intrigante para o povo da época do que é para o povo de hoje.
Judeus, romanos e gregos não acreditavam e nem entendiam o suficiente para deixar de acreditar na ideia mística de que o homem e a mulher se haviam tornado uma única substância sacramental.
Podemos achar esse ideal incrível ou impossível, mas não podemos considerá-lo mais incrível ou impossível do que eles poderiam ter feito. Em outras palavras, qualquer que seja a verdade, não é verdade que a controvérsia tenha sido alterada pelo tempo. Qualquer que seja a verdade, decididamente não é verdade que as idéias de Jesus de Nazaré eram adequadas a seu tempo e já não o são ao nosso. A medida exata de sua adequação talvez esteja sugerida no final de sua história.
Extraído de “O Homem Eterno”, por G. K. Chesterton, tradução de Almiro Pisetta, Ed. Mundo Cristão / SP, 2a ed 2018, pp 230-231.