“A perfeita Alegria”
São Francisco de Assis
“I Fioretti” cap 8, Vozes, Petrópolis,1973
[Fica bem começar o Ano Novo meditando com São Francisco, em que consiste a perfeita alegria]
Como a caminhar expôs São Francisco a Frei Leão as coisas que constituem a perfeita alegria.
Vindo uma vez São Francisco de Perúsia para Santa Maria dos Anjos com Frei Leão, em tempo de inverno e o grandíssimo frio fortemente o atormentasse, chamou Frei Leão, que ia mais à frente, e lhe disse:
Irmão Leão, ainda que o frade menor desse na terra inteira grande exemplo de santidade e de boa edificação, escreve, porém, e anota diligentemente que não está nisto a perfeita alegria.
E, andando um pouco mais, chama outra vez:
Ó Irmão Leão, ainda que o frade menor desse visão aos cegos, curasse os paralíticos, expulsasse os demônios, ressuscitasse os mortos de quatro dias, escreve que não está nisto a perfeita alegria.
Andando um pouco mais, São Francisco gritou com força:
Ó Irmão Leão, se o frade menor soubesse todas as línguas e toda a ciência e todas as Escrituras, e se soubesse profetizar e revelar não só as coisas futuras, mas até mesmo os segredos das consciências e dos espíritos, escreve que não está nisto a perfeita alegria.
Andando um pouco além, São Francisco chamou com mais força:
Ó Irmão Leão, Ovelhinha de Deus, ainda que o frade menor falasse a língua dos Anjos e conhecesse o curso das estrelas e as virtudes das ervas, e lhe fossem revelados todos os tesouros da terra e conhecesse as virtudes dos pássaros, dos peixes, de todos os animais, dos homens e das árvores, e das pedras, raízes e águas, escreve que não está nisto a perfeita alegria.
E, caminhando mais um pouco, São Francisco bradou:
Ó Irmão Leão, ainda que o frade menor soubesse pregar tão bem que convertesse todos os infiéis à fé cristã, escreve que não está nisto a perfeita alegria.
E perdurando este modo de falar pelo espaço de duas milhas, Frei Leão, muito admirado, perguntou:
Pai, peço, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria.
São Francisco assim lhe respondeu:
Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, todo molhados pela chuva, tremendo de frio, sujos de lama e com fome, e batermos à porta do convento e o porteiro vier irritado, dizendo: “Quem são vocês”? E nós respondermos: “Somos dois dos vossos irmãos”. E ele disser: “Estão mentindo! São é dois vagabundos, que andam por aí enganando e roubando as esmolas dos pobres! Fora daqui”! E não nos abrir a porta e deixar entrar e deixar-nos expostos à neve, à chuva, com frio e fome até de noite, então, se sofremos tão injúria e crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos nem murmurarmos contra ele, e pensarmos, humilde e caritativamente, e que Deus o fez falar contra nós, ó Irmão Leão, escreve que nisto está a perfeita alegria!”