Este livro, publicado pela Editora Planeta / SP, tradução de Sandra Marta Dolinsky, em grande parte é trabalho de Paolo Flores D’Arcais, que tem a responsabilidade da maior parte dos capítulos. De Ratzinger é “a crise do cristinaismo no início do terceiro rmilênio”, introdução. Ele também participa diretamente do debate com D’Arcais: “Deus existe?”
Extraímos o texto abaixo das linhas escritas por Joseph Ratzinger.
A crise do cristianismo no início do terceiro milênio
No início do terceiro milênio- precisamente no ambiente de sua expansão original, a Europa – o cristianismo se encontra imerso em uma profunda crise, que é consequência da crise de sua pretensão à verdade.
Esta crise tem uma dupla dimensão. Em primeiro lugar, questiona-se, cada vez mais se é realmente oportuno aplicar o conceito de verdade à religião. Em outras palavras, se é dado aos humanos conhecer a autêntica verdade sobre Deus e sobre as questões divinas.
Para o pensamento atual, o cristianismo, de modo algum, está mais bem situado do que as demais religiões. Pelo contrário, com sua pretensão à verdade parece estar especialmente cego diante do limite de nosso conhecimento do divino.
Todo este ceticismo frente à expressão da verdade em matéria de religião se vê respaldado, ainda, pelas questões que a ciência moderna levantou sobre as origens e os conteúdos do cristianismo. Com a teoria da evolução, parece ter sido superada a doutrina da Criação. Com os conhecimentos sobre a origem do homem, a doutrina do pecado original. A exegese crítica relativiza a figura de Jesus. A origem da Igreja, em Jesus, parece duvidosa. etc.
O fundamento filosófico do cristianismo se mostra problemático após “o fim da metafísica”, e seus fundamentos históricos são postos em xeque por efeito dos métodos históricos modernos.
Por isso, é fácil reduzir os conteúdos cristãos ao simbólico, não lhes atribuir mais veracidade que aos mitos da história das religiões, vê-los como uma forma de experiência religiosa que deveria, com humildade, colocar-se ao lado de outras. Pelo que prece, assim considerado, alguém poderia continuar a ser cristão, continuando a usar formas de expressão cristãs, cuja exigência se transformou radicalmente: a verdade, que era uma força vinculadora e uma promessa segura, se torna uma forma de expressão cultural do sentimento religioso geral, que nos cabe por caus da origem europeia.
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Em suas origens, como o cristianismo contemplou seu lugar no cosmos das religiões? O surpreendente ´qe que Santo Agostinho, sem hesitação, atribua-lhe um posto no ambiente da “teologia física”, do racionalismo filosófico. Este fato implica numa evidente continuidade dos primeiros teólogos do cristianismo – os apologistas do século II – com relação ao lugar que Paulo atribui ao cristão no primeiro capítulo da Carta aos Romanos, que, por sua vez, se baseia na teologia da Sabedoria do Antigo Testamento e que, por meio dela, remonta ao escárnio dos deuses nos Salmos.
Sob esta perspectiva, o cristianismo tem seus precursores e sua preparação interna no racionalismo filosófico, e não nas religiões, Segundo Agostinho e a tradição bíblica, para ele decisiva, o cristianismo não se baseia nas imagens e ideias míticas, cuja justificação se encontra, afinal, em sua utilidade política, mas faz referência a este aspecto divino, que a análise racional da realidade pode perceber.
Em outras palavras, Agostinho identifica o monoteísmo bíblico com as ideias filosóficas sobre o fundamento do mundo, formadas, em suas variantes, na filosofia antiga. A isso se faz referência quando, desde o sermão no Areópago em Atenas, o cristianismo se apresenta com o propósito de ser “a verdadeira religião”. Portanto, a fé cristã não se baseia nem na poesia, nem na política, essas duas grandes fontes da religião: baseia-se no conhecimento, Venera esse Ser, fundamento de tudo quanto existe, “o Deus verdadeiro”. No cristianismo o racionalismo se tornou religião e não é mais seu adversário.
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A tentativa de dar novamente um sentido claro ao conceito cristão como “verdadeira religião” no meio da crise da humanidade atual deve basear-se, igualmente, no teto agir (“ortopráxis”) e no reto crer (“ortodoxia”), Seu argumento mais profundo deve constituir – ao fim e ao cabo como então – em que o amor e a razão coincidem como verdadeiros pilares fundamentais do real: a razão verdadeira é o amor, e o amor é a razão verdadeira. Em sua união constituem o verdadeiro fundamento e o objetivo do real.