Como fui feito católico
Peter Kreefet
Extraído de “Jornadas Espirituais”, Quadrante /SP, “Como fui içado a bordo da arca”, pp 131
Uma vez na faculdade, logo me apaixonei pela língua inglesa e, depois, pela Filosofia, e, assim, mudei duas vezes de opção. Ambas as matérias alargaram meus horizontes no que dizia respeito à História da Civilização Ocidental e, portanto, ao catolicismo. A primeira dúvida séria a respeito de minhas convicções anticatólicas me foi inoculada por meu colega de quarto, que estava se convertendo ao anglicanismo:
“Por que os protestantes não rezam aos santos? Não há nada errado em você me pedir que reze por você, não é? Por que então não pedir aos mortos, se cremos que estão vivos em Deus no céu, e são parte da ‘grande nuvem de testemunhas’ (Hb 12,1), que nos envolve a todos”?
Era a primeira questão séria, para a qual, simplesmente, eu não tinha resposta, e isso me incomodou. Passei a assistir a liturgia anglicana, com o meu colega, e me senti arrebatado pelas mesmas coisas que cativavam Tom Howard e por muitas outras. Não era apenas a beleza estética, mas a plenitude, a solidez, o “algo mais” daquilo tudo.
Lembro-me de um serviço religioso que assisti, enquanto estudava no Calvin College, no Templo Batista (fundamentalista) da Wealthy Street. Até então não tinha experimentado tanta fé e convicção, tanta alegria na música, tanto amor a Jesus. Senti necessidade de focalizar em algum objeto o amor a Deus, que aquele culto despertava em mim. Mas Deus é invisível, e nós não somos anjos. Não havia nenhum objeto religioso na igreja. Era uma igreja protestante, despida. As imagens eram consideradas “ídolos”. E, naquele momento, entendi, de repente porque os protestantes eram tão subjetivistas: o seu amor a Deus carecia de objetos visíveis em que pudessem centrar-se. A Água Viva que brotava do íntimo não encontrava um leito material adequado, umas margens, que dirigissem a sua torrente para o distante mar divino, e, assim, refluía sobre si mesma, formando um charco de espuma.
Naquele momento, o meu olhar esbarrou num “espião” católico, em pleno campo protestante: uma cruz dourada, no alto do mastro da bandeira. Aquele símbolo estava, necessariamente, ligado à adoração de Cristo., por esse remanescente das suas riquezas. Para que a boa água protestante desses cristãos fluir, tinha de haver aquedutos católicos.
Ou, para usar outra metáfora: alguém me tinha dito que depender de imagens externas, materiais, era apenas uma “muleta”. Pois bem, naquele momento, compreendi que eu era um “paralítico” e dei graças ao hospital católico (afinal isso é o que é a Igreja: um imenso hospital), por vir a o encontro de minhas necessidades.
É possível que estes bons protestantes possam adorar a Deus, como anjos, mas eu não sou. Então descobri que eles também não. Embora seus olhos não usassem “muletas”, seus ouvidos as usavam! Usavam belos hinos como muletas. Às vezes penso que, no céu, os protestantes ensinarão os católicos a cantar, e os católicos ensinarão os protestantes a dançar e a esculpir.
(…)
Naquelas férias de verão, na praia de Ocean Grove, em Nova Jersey, li São João da Cruz. Não compreendi quase nada, mas soube então, com incontestável tristeza, que esta era a realidade: qualquer coisa de tão sólida e afirmativa como um maciço e montanhas. Era como se eu tivesse vivido to a minha vida numa pequena e confortável caverna , para descobrir que havia um mundo insuspeitado de dimensões inacreditáveis lá fora. E essas dimensões eram as da santidade, bondade, da pureza de coração, da obediência ao primeiro e maior mandamento: querer a vontade Deus, aquele único absoluto, que eu havia descoberto aos oito anos de idade. Estava muito longe de ser santo, mas isso não me impedia de admirar a santidade à distância, fascinado. Afinal, quem mora no vale consegue apreciar melhor a altura de uma montanha, do que aquele que vive no seu sopé.
(…)
O paralelo entre Cristo e a Igreja, a Encarnação e a história da Igreja me levava a mais longe ainda. Compreendi, na ocasião, o seguinte: Cristo fez uma alegação acerca da sua Identidade, que nos força a escolher entre dois campos possíveis: o dos seus inimigos, ou dos seus adoradores; entre os que o chamam de mentiroso, ou os que o aclamam como Senhor. Da mesma forma, a Igreja Católica tem a pretensão de ser a única Igreja verdadeira, a Igreja que Cristo fundou. Assim nos obriga a dizer que esta é afirmação mais arrogante, blasfema e maligna que se pode imaginar, ou, então, que simplesmente ela diz a verdade, ou seja, que ela é o que diz ser.
Tal como Cristo é uma exceção única e absoluta dentre todos os mestres humanos, quando afirma que é mais do que humano, mais do que um mestre, assim também a Igreja Católica é uma exceção entre todas as outras denominações cristãs, quando afirma que não é uma simples denominação, mas o Corpo de Cristo Encarnado, infalível, úno e único, santo, e apresenta como prova Cristo estar realmente presente na Eucaristia…