SALMO 8
1 Ao mestre do coro. Para a “guittea”.1 Salmo. De Davi.
2 Ó Javé, nosso Senhor,
como é glorioso o teu Nome
sobre toda a terra!
Queria cantar tua majestade acima dos céus,
3 balbuciando como criancinha de peito.
Mt 21,16
Deles fizeste uma fortaleza,
diante dos teus rivais,
calando o adversário e o vingador.
4 Quando olho os teus céus,
obra dos teus dedos,
a lua e as estrelas, que firmaste,
5 que coisa é o homem, para que dele te lembres,
Sl 144,3; Jó 7,17-18
o ser humano, para que dele cuides?
Hb 2,6-9
6 No entanto, tu o fizeste pouco menor que um deus,
Gn 1,26-28
e o coroaste de glória e grandeza.
7 Tu o estabeleceste senhor das obras de tuas mãos,
todas as coisas puseste sob os seus pés:
1 Cor 15,27; Ef 1,22
8 todo o gado e os rebanhos,
todos os bichos do campo,
9 os pássaros do céu, e os peixes do mar,
tudo o que percorre os caminhos das águas!
10 Ó Javé, nosso Senhor,
como é glorioso o teu Nome
acima de toda a terra!
1 A indicação musical é obscura. Talvez se refira a um instrumento musical, a uma harpa típica da cidade filistéia de Gat. Outros pensam em uma melodia, desconhecida por nós.
Em julho de 1969, Paulo VI confiava aos astronautas N. Armstrong e a E. Aldrin o texto do Salmo 8 para que ele fosse colocado no espaço sideral, nas areias da lua, que eles logo iriam pisar. Guido Ceronetti, na sua “Defesa da lua” reagiu, considerando este ato uma dessacralização do Salmo e do cosmo. O hino, fruto certamente de um autor sofisticado e refinado, é um canto entusiasta do ser humano, criatura microscópica, se comparada às colossais estruturas celestes, verdadeiro e próprio “caniço” frágil, para usar uma imagem de Pascal, e, contudo, “coroado” soberano por Deus, que o fez apenas um pouco inferior a si mesmo. Já no primeiro coro da “Antígona”, Sófocles exclamava: “Muitas coisas são admiráveis, mas nenhuma é mais admirável do que o ser humano”.
A debilidade do ser humano, feito de terra, como dizem os termos hebraicos do versículo 5, é evidente não só se comparada com a solidez poderosa das constelações, “obra dos dedos” divinos, mas, sobretudo, se comparada ao Criador. No entanto, Deus, quase ignorando o resto do cosmo, “recorda-se e cuida” com ternura do homem, “coroando-o” com o diadema real. O domínio do ser humano sobre a criação não conhece limites, como sugere a ressonância do termo “tudo” do versículos 7 a 9. Não é, porém, um domínio conquistado pela capacidade pessoal do homem sobre a criação, como proporá certo humanismo da Renascença, de caráter iluminístico e ateu. Não é também um poder roubado através de uma luta e prevalecimento contra Deus, como ensina o mito grego de Prometeu. Nem sequer uma celebração panteístico do ser humano, no qual se considera um espírito infinito e absoluto. É um domínio doado por Deus, concedido para ser administrado pelo único que pode definir o universo como “obra” das minhas mãos” (v. 7), Javé.
O Salmo é, portanto, um apelo ao ser humano para que saiba continuar o projeto de harmonia inserido por Deus na criação. O apelo é cheio de risco, pois, muito frequentemente, o homem se revela mais um tirano louco do que um rei sábio. Já o livro de Jó havia preparado uma quase paródia do Salmo 8: “Mas que coisa é o ser humano para que o tenhas em conta, e o olhes com atenção, a ponto de fitá-lo desde o amanhecer e de examiná-lo a todo instante?” (Jó 7,17-18). É por isto, então, que no Novo Testamento, a carta aos Hebreus aplicou o Salmo ao homem perfeito, o Cristo, “coroado de honra e de glória, por causa da morte que ele sofreu para a vantagem de todos” (cf Hb 2,6-9).