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Regressados a Nazaré
Não foi muito fácil viverem de novo em Nazaré, povoado com poucas oportunidades de trabalho. Outro operário tinha estado servindo em lugar de José, do qual ninguém sabia o paradeiro. O regresso da Sagrada Família foi recebido com curiosidade e, no caso do bravo operário que ficara com a freguesia de José, com aborrecimento: teria de dividi-la e ganhar menos! Claro, os amigos de Joaquim e Ana, aqueles que tinham tido provas da gentileza e bondade de Maria e de José, amenizaram os maus modos e olhares desconfiados de uns e de outros. Contudo, um fermento ruim permaneceu e, mais tarde, iria mostrar como podia estragar a massa, criando todo um relacionamento dificultoso, que chegaria a se tornar franca má vontade com Jesus.
Jesus, Maria e José, Jesus ainda criança, com, no máximo, três aninhos, voltaram para a casa que José tinha providenciado, onde haviam estado pouco tempo, antes de seguirem para Belém. Estavam começando do zero: José sem clientes ainda, Maria tendo que retomar os contatos para vender suas costuras, tecelagem e bordados, demorando um pouco para comprarem alguns animaizinhos, a serem criados no fundo do pasto, o pasto comunitário da aldeia, para terem o leite de cada dia.
A casinha de Nazaré era feita de pedras, encostada no barranco de calcário macio, escavado, onde ficavam os depósitos de água, vinho, grãos de trigo, o fogão, também cavado na rocha… Na parte da frente, de noite, desenrolavam os colchões de palha cheirosa, as cobertas coloridas, obra de Maria ou presentes de Ana. Nas refeições, partilhadas em torno de uma toalha estendida no chão bem varrido, sentados em bonitas almofadas, partilhavam o pão, o queijo, o assado de cordeiro ou de frango, a salada de boas ervas, o copo de vinho, feito por José… Tudo era bem lavado, com água que Maria trazia da fonte. Com ela também lavavam as mãos antes de comer e até se banhavam, quando voltavam da rua (ver Mt 15,20). Muitos potes a Mãe de Deus carregou!
Dos lados da casa, que José preferira construir um pouco distante do miolo do povoado, havia terrenos, onde se viam alguns canteiros, uma parreira de boas uvas, e um telheiro: a oficina do bom José. Os canteiros tinham plantas saborosas para o dia a dia, e um era de ervas medicinais. Maria fazia preparados com elas e acudia os vizinhos com toda a caridade de que seu Imaculado Coração estava repleto. Não lhe faltava o conhecimento da farmácia popular, que lhe tinha chegado por tradição, nem a sabedoria, dom do Espírito Santo, que se tinha derramado sobre ela. Ah! Não faltavam flores em frente de casa!
Eram bons vizinhos. Se uma mulher ficasse sem farinha para o pão, podia recorrer a eles. Sempre iria receber uma boa medida, bem apertada na tigela para caber bastante (ver Lc 6,38). Jesus ia vendo e aprendendo, como ia aprendendo as bênçãos pronunciadas de manhã, à noite, nas refeições… Assim, como qualquer criança, ele tinha aprendido a falar: ouvindo e vendo. Ler e escrever ele foi aprender com outros meninos de sua idade com o rabino na sinagoga, perto da fonte da aldeia.
Jesus brincava com os filhos pequenos dos vizinhos, mas logo começou a ajudar os pais, e foi se encarregando de cuidar da pouca criação deles no fundo do pasto. Tinha jeito com os bichos e logo aprendeu a tirar leite da cabrinha, da ovelha. Mais adiante, ajudava a Mãe, na pequena horta, e ao Pai, na oficina. Ali, com o tempo, se tornou um hábil carpinteiro (ver Mc 6,3).
Esta vidinha, igual a tanta vida escondida, humilde, anônima, viveu Jesus, até que chegou aos 30 anos (ver Lc 3,25), ali, em Nazaré, “onde tinha sido criado” (Lc 4,16).